quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

GENTE! GENTE, GENTE!


“eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim.”Jo 17.23





Não me parece que a comunidade de Jesus Cristo considere esse fator como um dos mais importantes para a inspiração da Igreja e crescimento do Reino de Deus.


É mais fácil considerarmos que uma igreja não pode mais funcionar sem uma boa ambientação do ar condicionado.


O som e instrumentos musicais, ainda que não sejam de altíssima tecnologia, deve ser algo que faz lembrar o profissionalismo um dia só visto pela TV, mas que agora consomem vultosas quantias, pois a competição é grande e se não tivermos um som pancada, a moçada vai embora para outras comunidades em que há um investimento pesado de som e imagem.

Cada vez mais a parábola do Mestre sobre a ovelha perdida vira conto da carochinha, pois o que na verdade vemos é um evangelho vociferado por líderes apaixonados por multidões e rebanhos milhonáveis, mas cada vez mais distanciados do coração da ovelha.


Recentemente soube de pesquisa que revelou que o item mais importante que faria um evangélico escolher uma igreja seria se ela tivesse espaço seguro para guardar seu automóvel, lembrando uma fria e objetiva relação de consumo, ou seja, se sou atendido satisfatoriamente, então referendo o  produto.


Ser moralista é o que menos ajudaria nesse momento gelatinoso em que nada é absoluto e consistente, tudo parece fugaz e relativo, a não ser o desenfreado desejo do Ser em alcançar satisfação e plenitude.


Pensar uma igreja que responda às necessidades do ser humano, pois afinal foi para esses que Jesus encarou a braba missão de mesmo sendo Deus, vir passar alguns anos aqui entre gente como eu e você; gente estranha e desafiadora, que por vezes encara o periférico como essencial e o relativo como absoluto, e somente por isso fomos capazes de crucificá-Lo.


Estou escrevendo para tentar ser ouvido. Estou escrevendo, pois sonho em sensibilizar alguém além de mim mesmo. Estou escrevendo para que meu senso de loucura diminua. Estou escrevendo, pois como tenho a arrogância profética em minha alma, na verdade acabo achando que vou salvar alguém. Estou escrevendo porque ao fazê-lo me sinto vivo e humano, capaz de lutar, enquanto for possível, por algo que acredito. Estou escrevendo para aplainar minha solidão profética.


Acho que Jesus, como uma criança que sonha comprar uma casa para que todos os seus familiares morem juntos – atire a primeira pedra quem nunca teve esse sonho tolinho – acho que ele acreditava ser possível que um dia sejamos unidos, irmãos de fé e de prática, gente esvaziada da matéria e cheia de afeto.

Acho que Ele pensou que fosse possível que um dia sua igreja desse importância ao que de fato importa e tem valor: GENTE!

domingo, 8 de janeiro de 2012

Sorte ou Oportunidades?


         Assassinado pela PM. Dependente químico. Ambulante. Vendedor de passarinho. Cabo da PM expulso da corporação e lanterneiro em oficina de fundo de quintal. São atividades profissionais, ilícitas ou não, de alguns de meus amigos de infância.


         Eu poderia estar retratado no quadro acima, mas não estou. Fugi do presídio existencial de milhares e milhares de vagas destinadas a negros e brancos carentes, escapei pela porta da frente à luz do dia...

          A sortuda “mamãe áfrica” enquanto contornava as unhas dos pés de sua mais nova cliente narrava seus dramas e dificuldades, e especialmente uma frase “arrebatou” o coração de sua cliente: “Não vou criar meus filhos para comerem de marmita”..


          A cliente classuda era dona do 2º melhor educandário do subúrbio de Colégio, Rocha Miranda, Coelho Neto, Vila Santa Tereza e Honório Gurgel – Instituto Azevedo Correa. Propôs à minha mãe um contrato de risco: “Dou bolsas de 100% aos seus filhos – eu e Sérgio - conquanto eles tirem, em todas as matérias, em todos os anos, nota mínima “oito”. Um verdadeiro estupro pedagógico. Eu nunca pensei que pudesse agradecer a Deus por ser estuprado.


Essa era uma exigência de seu sócio, o Prof. Airton, que era absolutamente contrário a tal concessão. O que aconteceu?


           Precisamos, os negros, brancos, índios, nordestinos, todos,  de oportunidades e não de sorte!


 Costumo dizer em minhas palestras que não sou exemplo de vida para os negros, pois o que aconteceu comigo foi pura sorte, e quando me acusam de ser hábil e inteligente, sinto que esses talentos talvez estivessem a serviço de um mundo torpe, não fosse a sorte ter me achado.


Se sou a favor do sistema de cotas? Claro que não! Pois é de fato indigno que um não negro ou não pardo seja preterido de seu futuro por secção racial, pois a solução está em a sociedade entender que os negros não querem fugir dos presídios existenciais através da senha chamada sorte. É um acinte o sistema de cotas.


Os governos Federal, Estadual e Municipal deveriam providenciar oportunidades às “mamães-áfricas” para deixarem seus filhos em ambiente escolar digno e saudável enquanto vão em busca de seus sonhos.


            A sociedade deveria ouvir o som da Dona Edir e se espelhar em seu exemplo solidário e entender que não faz favor, mas é gesto digno, parceiro, comum, estrutural, promover rampas de acesso às empresas, cursos comunitários, programas de incentivo à cultura, lazer, esporte, arte, entre outros.


O que aconteceu? Nunca estudei em escola pública, formei-me honrosamente no Instituto Azevedo Corrêa, cheio de medalhinhas no peito – quem tem mais de 50 anos se lembra das medalhas aos melhores alunos – Passei, por concurso, para o Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, mantido pelo Ministério do Exército, de lá fui para o Colégio Naval, Escola Naval, de onde saí sem me formar. Sou Pastor, Professor e Psicólogo. Mestre em Teologia e pós-graduado em filosofia, ambos pela PUC/RJ.


           Não sou exemplo para os negros, mas sim para os “BRANCOS”, estampados no exemplo do Prof. Airton, símbolo de uma sociedade fustigante, hipócrita, cínica, indiferente e alienada, que nega dignas oportunidades para os negrinhos nossos de cada dia. 


 A sociedade fala e deseja paz, mas de paz não entendem, pois convenientemente acreditam que ela é fruto do silêncio dos mais fracos politicamente que, sem instrumentos de realização, não alcançam a visibilidade necessária para serem ouvidos.


           Se sou a favor do sistema de cotas? Claro que sou, pois enquanto a estrutura social negar aos negros e brancos pobres oportunidades dignas e os obrigar a fugirem dos presídios existenciais apenas através de um golpe de sorte, como em cassinos ou jogos de cartas, não teremos outra saída, se não, “trapacearmos”  e continuar a sermos tratados e vistos  como pedintes, favorecidos, protegidos.


            A solução é simples, não é racial, mas sim política e social. É só os governos Federal, Estadual e Municipal promoverem oportunidades a todos, brancos, não brancos, crédulos, não crédulos, comuns e especiais. Aí finalmente poderemos contemplar não um sistema de cotas raciais, mas um sistema de igualdades de oportunidades.



terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Muitos e bons sonhos em 2012.


“[...] os olhos são a janela da alma [...]”  Mateus 6.22


Essas palavras foram ditas pelo Mestre em torno do sermão do monte. Ele falava predominantemente para gente sem fé no futuro; gente pobre, em sua grande maioria, e absolutamente inculta; gente maciçamente analfabeta; crianças à margem da escolarização; mulheres desprezadas e indignamente tratadas como objetos de uso e desuso; pessoas que desconheciam o sentido da palavra respeito. Falava a prostitutas, zelotes, publicanos, escravos, indigentes, cegos e paralíticos. Falava aos leprosos, tuberculosos, e tantos outros doentes considerados endemoninhados, gente, que, segundo os religiosos fariseus, não repousara a graça e a bênção de IAVÉ. E, por isso mesmo, acreditavam que se faziam revelar de forma inconteste as marcas do seu pecado, latente no corpo através das muitas chagas e doenças repulsivas.


Essa gente feia, pobre, marginais sociais às dezenas, por vezes centenas, e comumente milhares, insistiam em acreditar que algo de bom e surpreendente poderia visitá-los. Havia uma “mania” nessa gente, acho que influenciadas pela “histérica” visão do profeta Isaías, o qual certa vez dissera que um dia brilharia a Luz no caminho do mar, que era composto pelas cidades mais pobres da Palestina, que margeavam o mar galileu: Cafarnaum, Betsaida, Caná, Decápolis, Nazaré, Galiléia e Gerasa.


É engraçado como os pobres são parecidos no mundo todo, e em qualquer tempo, de hoje ou de ontem, sempre acreditam, sempre esperam que algo lhes possa ocorrer, algo de místico, de mágico, de libertário. E talvez seja esse o ingrediente propício para gente mal-intencionada se aproveitar de algo tão singelo que é a crença nascida da fome da alma por dias melhores, por um futuro digno, um sono tranquilo, sorriso na face e dias cingidos de esperança.


Acho que Jesus se sentia pressionado pelo grito que essa gente trazia silenciado no peito. Acho mesmo que ele sempre soube que não poderia fazer muita coisa, não poderia mudar-lhes a sorte, não poderia desenhar-lhes um novo futuro, como um tolo pintor desenha seus anseios numa tela.


O Logos, ele sim, pode libertar vidas, mesmo presas atrás de grades existênciais que não se dissolvem facilmente. Vejo os olhos do Senhor marejarem pela força da confiança no Logos de Deus, que ao encontrar gente morta, desnuda, esfarrapada, ressuscita-a, vocacionando ao novo, surpreendente em direção à Vida que todo que é nascido Dele merece e pode viver.


Os olhos são as janelas da alma..., Ele sempre soube que não poderia mudar a sua materialidade, mas, sim, a lógica da alma desprovida de sonhos, engravidando-os do Logos, que do nada pode criar, e das trevas transformar em luz que não se apaga.


Meu mestre sorri e chora, mas agora de alegria e prazer em ver gente sonhando, olhando para dentro, encontrando razão para viver e lutar; os olhos são a janela da alma...


Algumas coisas na vida são realmente nossas, pouquíssimas coisas nesta vida podemos dizer que ninguém pode nos tomar, arrebatar de nós, e acho que uma dessas pouquíssimas coisas são os nossos sonhos, nossas inspirações, nossos vôos.


Era jovem quando Leonardo Boff começou a ser processado pelo Vaticano, o que culminaria em sua expulsão da Igreja Romana, mas numa certa publicação do JB, enquanto Boff estava punido e proibido de falar, falar para a imprensa, falar como padre, falar como cidadão, falar como ser humano que era e é, o JB – para os mais jovens, JB era o melhor jornal que esse país já produziu, hoje só online – estampou uma charge que nunca mais esqueci, era uma grande gaiola fechada e dentro um minúsculo pássaro voando sorridente.


Quem pode roubar nossos sonhos, quem?


Acho que Jesus estava dizendo àquela gente miserável que ele não teria como solucionar todos os seus problemas, mas que mesmo em meio a seus dramas, e não eram poucos, elas poderiam sonhar, enxergar, ver.


Estou aqui cheio de visões, cheio de sonhos, cheio de esperanças, mesmo em meio a limitações que insistem em me intimidar e desestimular. Mas olho para o Mestre Santo e o ouço falar-me ao pé do ouvido: sonhe, sonhe, sonhe, pois toda vez que você sonhar, estará mais perto da concretude de seus devaneios.


Portanto, convido-o a sonhar, sermos “marias”, pedirmos para ser engravidados pelo Logos de quem procede a verdadeira vida que não se extingue.


Muitos e bons sonhos em 2012.