quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Gêmeos, mórbida semelhança




Eu não sei o que é mais desastroso para a vida da cidade maravilhosa, se o tecnocratismo expresso em sua razão fria, muitas vezes indiferente ao clamor da alma humana, ouvido nos hospitais superlotados, escolas sucateadas, ruas inseguras, ambulantes tratados como oportunistas ou bandidos, como fossem eles responsáveis pela desordem urbana; praças habitadas por mendigos esfarrapados pela irrecorrível miséria, ou habitadas por bebes cheirosos e suas babás  cuidadosas e amedrontadas por ocasionais infortúnios; morros e favelas invadidas pelas britadeiras, caminhões e centenas de peões na construção da desejada urbanidade que transparece dignidade, mas que na verdade maquia a desfaçatez do poder público que encontra rios de dinheiro para “bundalêlê”: carnaval, olimpíadas e milionários estádios de futebol para a copa do mundo, em que veremos – nos livre Deus - o show de Leonel Messi, apelidado por seus irmãos portenhos “Pulga”.


Somente um grande banho de escolas, lazer, cultura, moradias, saneamento, faria cessar vergonhoso cenário que faz desse gigante latino, ainda meio sonolento um celeiro de injustiça e vergonha social.


50% das crianças em idade escolar não sabem ler, escrever e muito menos interpretar o que lêem; outros 50% dos brasileiros não conhecem saneamento, ou seja, estão literalmente na lama. Portanto, as ações governamentais, ainda que necessárias  e benfazejas, se revelam paliativas e periféricas,  pois não são capazes de saldar a dívida social com essa gente sem visibilidade, vizinhas das valas fétidas, casas desprovidas de embolso, pintura e beleza nos becos estreitos e frios, proporcionando ambiente  adequado para o galopante avanço da tuberculose, segundo os próprios técnicos de saúde pública.


Acostumados à miséria cotidiana, como um menino de rua que agradece a generosidade do comerciante que lhe concede um pão com manteiga sem afeto ou interesse, assim é o Estado Tecnocrático, doa, mas com claro interesse de fazer desse gesto um trampolim para o próximo ano eleitoral. 


Em meio à profunda miséria, desgraça e indignidade, atenuando o clamor dos sem esperança que fingem acreditar que estão sendo atendidos e respeitados, por medo que cesse as poucas migalhas a eles misericordiosamente concedidas, gestos do Estado Tecnocrático, como: Favela Bairro, UPP, Minha Casa Minha vida, Bolsa Família, são necessários programas de inclusão social, mas que estão longe de parecer a solução de fato que passa pela reforma do Estado Brasileiro revelado nos pilares: educação, moradia, pleno emprego e saúde. Essa sim seria a necessária e sonhada refeição que mereceria ser celebrada, que revelaria o total e conseqüente desdobramento de uma nação justa e solidária que transpareceria o Reino de IAVE sonhado pelo profeta Isaías registrado no capítulo nove e onze de seu livro.


Que saco, me acho meio parecido com o Raul Seixas, que em sua canção: Ouro de Tolo se recrimina que não consegue se distrair com praia, zoológico, jornal e tobogã. Eu deveria me alegrar: Final da copa no Rio, somos a 6ª economia do mundo, os lordes comeram poeira, moro em uma confortável casa, vamos receber as olimpíadas, o Ronaldinho está no meu mengão. Entretanto, não consigo relaxar.


 Ainda para piorar meu humor e minha esperança, os evangélicos querem fazer do país um Estado Religioso, uma grande capela dançante. Para esses o Brasil deveria se transformar num grande festival de louvor e adoração. Quem sabe a solução não esteja em voltarmos a ser uma monarquia e todos nos dobrarmos como súditos diante do trono. Há uma massa que se expressa em cantarolisses, bracinhos alçados aos céus, caras torcidas como se sentissem dores nas vísceras, e muitos brados revelando um transe coletivo, uma manifestação que passa por cair no espírito, unção de leão, entre outras coisitas.


Penso em Isaías, nos apostóstolos, os pais da igreja e todos aqueles que suaram duro, deram suas vidas para trazerem o evangelho até nós e ao ver esse show de materialismos, sim, materialismo, pois uma fé fundamentada em sentimento não é fé, mas a expressão mais mística de negação de Deus. Anselmo de Cantuária diante de aprofundada discussão sobre o conhecimento do Eterno nos concede uma pérola: “se entende, esqueça! pois não é Deus”.


O que encontramos hoje é algo semelhante ao ocorrido na Idade Média onde a absoluta falta de Estado solidário e justo ocasionou o avolumamento da religiosidade supersticiosa, mecanismo eficaz que inconscientemente tentava minorar a total falta de esperança popular por um futuro melhor.


Hoje vemos expressa nas religiões recém criadas a partir da década de 70/80 uma eficaz proposta de ocupar os hiatos deixados pelo ineficaz Estado Brasileiro ao pregarem um deus forte, exagerado e materialista, aprisionado pelo desejo imperativo de seus súditos que ordenam, impõem e o repreendem caso não sejam satisfeitos em seus caprichos.


 Mister se fez criar uma teologia e um deus que se ocupe do reino que está latente aqui e agora, que como inteligente empresário atenda a demanda do mercado que clama por saúde, segurança, habitação e empregabilidade, e, é claro, lazer, e aí entra o eficaz ópio, as cantarolices que enlevam, hipnotizam, anestesiam, impedindo a reflexão, análise crítica e conexão com o desagradável mundo real que roga por efetiva atuação da verdadeira Igreja cristã que se alimenta de justiça, verdade e clamor de seu povo.


O Estado Tecnocrático e o Estado Religioso são faces opostas de uma mesma moeda, não são e nunca foram antagônicos, no máximo podemos dizer que se confrontam pelo mesmo ideário, são ambos materialistas e pouco se importam com o cidadão, mas se abastecem de seus sonhos pelos quais lucram e sedimentam seu império que tem seu fundamento na ignorância e ilusão.


O poder de Deus é incomparável, superior e incomensurável, mas a grande contradição desse poder é que ele não se satisfaz em si mesmo, mas ao contrário, todo poder de Deus só tem uma aplicação que é para o serviço e felicidade do homem, e somente por isso que o Cristo de Deus sendo quem é não vê graça nenhuma em toda a sua exuberante majestade se esta não é direcionada a servir a humanidade, e por isso o Mestre Santo esvazia-se, lava os pés imundos dos pecadores, partilha do pão e da simplicidade, se muda para a paupérrima Cafarnaum, repreende violentamente Pedro, chegando a chingá-lo de demônio, quando esse tenta seduzi-lo a servir a si mesmo.


O Estado Religioso e o Tecnocrata não estão interessados nisso, ou seja, no serviço gracioso , espontâneo e desprovido de realeza, mas bem ao contrário, moram em palácios, consomem o melhor desta terra, freqüentam a luxúria e o extremo conforto, absolutamente assemelhados aos sem Deus, pois afinal são filhos do mesmo pai e gerados num mesmo útero.


Peço licença a Leonardo Boff para citá-lo. Ao visitar pela primeira vez o Vaticano, ainda como jovem padre, ficou absolutamente chocado diante de tal exuberância e riqueza, e concluiu Boff: “não sei o que é cristianismo, mas isso eu sei que não é”. Exatamente assim que me sinto, não entendo muito de Deus, ele não se deixa definir tão facilmente, mas sinto dentro de minha alma que isso que aí está e que se chama evangelho e evangélicos, isso não me parece Deus, o Jesus histórico, o Nazareno, o Profeta do burrinho.

domingo, 25 de dezembro de 2011

É Natal e tenho um pedido...


Tal qual a naturalidade de um passarinho que saúda com seu suave a sedutor canto todos os dias, que graciosamente o Senhor lhe dá, também assim somos presenteados com a brisa matinal e um dia quente ou não, mas que sempre é carimbado pela graça Dele, que curiosamente, sem que eu entenda bem, insiste em nos amar e pensar bem de nós, mesmo que continuemos tantas vezes a nos distrair e banalizar seus favores e bondade.
 

Pode parecer estranho, mas minha fé é calçada de muitas incertezas, inseguranças e incontáveis medos, mas há algo em que tenho procurado a cada dia mais alicercar-me, qual seja, na certeza de que Deus me ama. Ainda que seja muito incoerente, pois normalmente tendo a receber amor de quem dispensei amor primeiro.


Tem feito a grande diferença em minha vida me apropriar de algo tão profundamente louco quanto libertador: "Deus me ama, e não importa o quanto meus pensamentos, minhas atitudes incoerentes, minha própria boca afirme desconfiança, Ele me ama..." São muitos sons, seduções variadas, evangelhos, pastores, pastoras, bispos, apóstolos, e o que é pior: evangélicos aos milhares fazendo lembrar a extensão de um grande oceano. Mas é só lembrar, pois a reflexão, compreensão e indepedência destes revela a profundidade de uma piscina infantil.
 

É Natal, e declino aqui meu pedido Àquele que transforma as coisas que não são em realidade concreta; Àquele que podendo atirar pedras, escolhe estender a mão e oportunar a continuidade da vida; Àquele que não discrimina ninguém, mas tem uma "quedinha" pelos mansos e simples de espírito.


É Natal e tenho um pedido. Sei que vou pedir muito, mas como também sei que Ele tudo pode, lhe peço que meus olhos possam testemunhar o Estado do Rio de Janeiro contando com homens e mulheres que se chamem pelo Seu nome se indignam pela corrupção que envolve religiosos, pastores e líderes que mercantilizaram a beleza do evangelho, fazendo lembrar aqueles que retiram da pureza de crianças/adolescentes seu sustento, aviltando e sequestrando sua ingenuidade através de jogos de exploração sexual.


Desejo ver o povo cristão levantar-se com a mesma fúria contra a classe política inescrupulosa, tanto quanto o faz contra a minoria LGBTS; Eu peço a Ele que todos os que levantamos as mãos em Seu louvor, nos manifestemos publicamente contra o descaso com a educação fundamental em nosso estado, como nos mobilizamos para festivais e musicais religiosos; peço ao menino que cresceu e tornou-se a maior autoridade em milagres, pois converter o coração de uma pessoa e perdoar seus pecados não há igual.


Eu Lhe peço que meus olhos ainda vejam os jovens apaixonados por Ele, e também nós - os adultos - levantemos orações como o fazemos para o Brasil se tornar evangélico; que o façamos com igual fervor para que o Brasil se torne uma nação justa, igual e livre da intolerância e preconceito religiosos, pois sei que o filho do carpinteiro soube bem os danos de ser pobre, trabalhador braçal e hebreu.


Feliz Natal!